Por que celebrar a Arte e a Vida em tempos sombrios, em um mundo que parece estar retrocedendo, com a perda de tantos direitos conquistados e ondas de violência que emergem nos mais variados pontos do globo, colocando em risco longos processos políticos e culturais, afetando aquilo que temos de mais caro?
Talvez porque a Vida se afirme em formas de liberdade, constitui lugares de diferença, sobrepõe o medo ao exercício de encontros e da Arte – e é isto o que estamos celebrando aqui. São os 80 anos do Professor João de Jesus Paes Loureiro, mas não comemoramos somente a sua vida, muito bem vivida e dedicada às artes, com sua poesia e uma reflexão aguda sobre nossas matrizes culturais, sobre a experiência estética e a ética manifesta. Não apenas no território estabelecido como local da Arte, mas também nas vidas, objetos, existências permeadas por um rico imaginário que se convertem em materialidade pelas mãos de artistas e que corrobora para a construção de um universo permeado de imagens. Mas não podemos reduzir o mundo social às estratégias das representações.
Neste conjunto – inconcluso – de obras presentes aqui, ensaiamos construir (e desconstruir) uma curva histórica em que nossa referência parte da ideia de visualidade amazônica, tão impactante na produção artística da região e debatida no seminário As Artes Visuais na Amazônia – Reflexões sobre uma Visualidade Regional, realizado pela Fundação Nacional de Arte (Funarte) no período em que Paulo Herkenhoff estava à frente da Comissão Nacional de Artes Plásticas, ao mesmo tempo em que Paes Loureiro dirigia a Secretaria Municipal de Educação e Cultura (1984), somando-se desejos para a discussão da importância de nossa cultura. Em 1982 surgia o Arte Pará, como uma plataforma produtiva e até aqui ininterrupta de articulação da cultura amazônica.
O pensamento de Paes Loureiro foi seminal para as artes visuais no início dos anos 1980, e ainda hoje continua atuante e contribuindo não apenas no campo da arte, mas na academia, como deflagrador de processos de mergulho nas nossas origens e imaginários. Longe de querer constituir um discurso homogêneo, em uníssono, percebemos emergências e tensões, ausências e revelações, surpresas e reconexões num fluxo que é da própria vida, e que traz, como no conceito do dibubuísmo do professor, imersões e irrupções que aqui aparecem.
A Arte nos trouxe a este lugar porque acreditamos em um mundo mais sensível e humano, para além de toda a violência, pois a sustentabilidade da sociedade porvir demanda também um lugar para a cultura. Entre ecologias dos saberes, lugares de liberdade e da reiterada crise de paradigmas epistemológicos e os epistemicídios que assolam as periferias do mundo neoliberal, como aponta Boaventura Sousa Santos.
Passado em futuro passado a limpo. Terra, floresta, concreto, mangue e dor. Dor vital, confronto poético com a raiz: Tarefa. Seta; flexa. Arco histórico. Tempo. O tempo é curvo. Fluxos atravessam à deriva? Qual o limite do tempo presente, até aonde atinge aquilo que nos traz as marcas? Delírio-desejo em identidades não-binárias na batida de tod@s as representações revisando nossas amarras. E nem preciso falar de colonialismo, decolonialismo, descolonialismos, neocolonialismo...
Tudo está posto. E somos um só trânsito entre imagens, memórias, abalos, emoção, revisão e surpresas que emergem de nossas diminutas violências diárias, mas, para além das pulsões que aqui orbitam, nos ancoramos no que pulsa a veia: a Arte!
Orlando Maneschy Keyla Sobral
Curador Curadora Adjunta
Outubro de 2019
Texto da exposição Deslendário Amazônico - 80 anos de Paes Loureiro (38o Arte Pará)